3/29/2005

Dorian

Ontem me sentei na frente de um espelho, procurando vestígios de minha alma.
Pensei que seria interessante ser como Dorian Gray, no livro de Oscar Wilde, com um retrato em que se fixassem as marcas e mazelas de meus pecados (entenda-se excessos e loucuras).
Quando sentei diante do espelho, estava me questionando sobre os benefícios de se ter tal retrato e poder olhar que tipo de marca meus atos me deixam.
Pensando nisto, eu tentava adivinhar se eu gostaria do que ele revelaria, se eu gostaria realmente de ver o mais intimo de minha alma.
Então me dei conta de que eu nao olhava para mim.
Eu não tinha absolutamente nada mais, ou menos importante para fazer, mas qualquer coisa era melhor que me olhar no espelho.
Foi impressionante a impaciência que senti.
Senti vontade de me recostar para me afastar do espelho.
Depois senti vontade de me aproximar e ver detalhes de cravos espinhas e outras insignificâncias.
Senti vontade de avaliar meu peso com um ar critico imaginando como eu seria se eu fosse magro...
Mas o mais impressionante foi que por mais que eu olhasse, eu não conseguia registrar o agora.
Nao conseguia me ver como um todo, sem juízo de valor.
Olhava a barba e pensava - "isto é temporário".
Olhava os cabelos brancos e pensava "veja que engraçado, mais um".
Olhava o nariz e pensava "está descascando"
Mas foi um custo para eu olhar o estranho que se punha diante de mim.
Um cara com vinte e cinco anos, olhos castanhos, com aparencia severa, já com alguns fios que a vida e o temperamento branquearam, cavanhaque e bigode, um pouco acima do peso, baixote e com ombros caídos.
Não acho me olhar e me aceitar assim mesmo seja comodismo. Acho que é um princípio de mudança.
Não posso me dar presentes que eu deveria gostar, nem procurar pessoas por quem eu deveria me apaixonar.
Não posso ignorar minha raiva em determinadas situações porque ela é egoísta ou fruto de um recalque.
Tenho que descobrir do que e de quem eu gosto.
Tenho que sentir raiva, admitir isso, chorar por isso e tentar resolver.
As rugas na testa, os ombros cansados, a comida inadequada, a falta de paciência.
Tudo inscrito no espelho.
Porém, tal qual Doriam, eu escondo esta imagem, eu não olho para ela.
Tal qual Dóriam, eu tripudio do estranho no espelho, que me olha com seus olhos castanhos.
E nego.
Não sou eu, eu estou eternamente começando.
Nunca é tarde.
Será um recomeço...
Mas nunca é.
Porque não deve ser.
Não quero errar novamente, perder a paciência como já perdi, maguar como já maguei.
Preciso das marcas do tempo e dos meus atos para me lembrar de quem eu sou e pelo que passei.
Preciso aprender a olhar para elas... preciso aprender a olhar para mim
"Oh velho mar profundo, eu venho à tona em todos os naufrágios"

3/15/2005

Primeiras Estórias

Duas semanas atrás encontrei um livro (no caso um caderno manuscrito) que escrevi quando tinha treze anos.
O início (no caso, a primeira página) era inspirado (na verdade, quase uma cópia fiel) do livro Blecaute, do Marcelo Rubens Paiva... entretanto, ao invés de haver três pessoas sozinhas em um mundo de pessoas mortas, e sem sentido, havia hordas de ninfetas sedentas de sexo em busca de um pobre rapaz sobrevivente e o único capaz de preservar a espécie humana...
Junto com este caderno havia cerca de cento e vinte páginas datilografadas, que em que escrevi, um ou dois anos mais tarde, meu segundo livro.
Era uma ficção científica que começava com uma viagem no tempo... (não vou entrar na viabilidade da aplicação científica da minha tese, diga-se de passagem inspirada em Star Trek), havia um planeta deserto, de vegetação exuberante, cheio de perigos contra os quais um explorador intrépido teria que lutar,... se não estivesse ocupado em satisfazer uma horda de ninfetas sedentas por sexo e....etc, etc, etc.
Este foi o princípio e o fim de toda literatura produzida em minha puberdade e adolescencia. Condenada ao ostracismo por uma pornografia de baixa qualidade, inspirada, basicamente, em fotos de revistas de carnaval e textos descritivos da enciclopédia da casa de meus pais.
Hoje em dia meus livros tem um lugar cativo em um canto escuro de minha garagem.

3/11/2005

Orangotango

Não é que eu tenha medo de macacos.
Eu tenho medo de orangotangos!
E também, não de qualquer orangotango, somente aquele, o eterno.
Aquele que com sua pena eterna e tinta infinita passa o curso de sua vida rabiscando.
Tenho medo dele porque, segundo Jorge Luiz Borges, no curso da vida de tal ser, ainda que rabisque aleatoriamente ele escreverá tudo o que ja foi escrito, do mais magistral até folhetins tipo Bianca...
O que eu quero dizer é que lamento não poder expressar com nada além de palavras, as mesmas que algum dia o orangotango eterno ultilizará (se é que ja não usou), e que o fato de elas terem sido escritas com sentimento nada significa.
Durante muito tempo não escrevi porque acho que as palavras limitam, formatam as coisas que vemos e sentimos (não vou nem entrar muito na alçada da poesia parnasiana ou da romântica que restringiam ainda mais porque buscavam palavras que rimassem(imaginem, se já é dificil encontrar palavras, ainda ter que encontrar as que rimem ou que perfectibilizem a métrica (Viva o sapo Boi))).
Sempre achei o escritor um canastrão porque percebia a sombra do orangotango e ouvia seu eterno rabiscar.
Gabriel Garcia Marques, me ajudou a pensar na escrita como uma ampliação, como uma das secreções necessárias de nosso corpo, uma nescessidade fisiológica.
A escrita febril da solidão, é ordenar um raciocínio insistente, louco. E, ainda assim, extravaza-lo.
Seria esse o fim da ideía do maldito macaco, vocês haveriam de convir...
Entretanto, uma palavra mais rebuscada (ouviram...?) uma expressão empolada (podem ouvir...?) e .... ali está ele novamente o som de sua pena rabiscando.
Posso até imaginá-lo sorrindo como sorriem os orangotangos com seus beiços arreganhados, rindo de minha pretensão artística....

3/10/2005

Ventos de Macondo

"Muitos anos mais tarde, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendia haveria de se lembrar daquela tarde remota em que seu pai o levára para conhecer o gelo..."
Estes são ventos de Macondo, vindos de dentro, sempre soprando em minha nuca me causando arrepios...
Como aquela solidão que bate quando estamos imóveis com sonhos insones se desenrrolando em nossas mentes.
Sonhos que dispensam o cansaço e nos embalam enquanto nos sentamos sozinhos em silencio, em uma escada qualquer observando a vida passar, as pessoas se encontrarem e desencontrarem se desejarem e se afastarem.
Uma brisa que vem do coração, escapando por suas rachaduras, brotando de gretas tão profundas e doloridas que duvidamos que alguem possa saber que existem...
Então vem o arrepio, que enregela os ossos no verão, a certeza da solidão, do desatino, de que bocas macias apenas acolchoam ossos frios; de fugacidade, de breviedade.
Na esperança de que nossos entes morram para que possamos chama-los de queridos e imaginar o que poderia ter sido, sem lhes dar oportunidade para nos mostrar como são, nos obrigando a aceita-los.
Esses são ventos de Macondo, que nos prometem cem anos de solidão.